quinta-feira, 31 de julho de 2008

A Pequena Imortalidade

Como todos os homens da região da Borgonha, Mario mirava a vida pela janela do quarto, como Jacó da Bíblia, que espiava sempre o seu irmão Esaú, ansiando pelo momento de suplantar sua herança. Para Mario, a fresta era um destino. Uma inclinação da alma, como os ventos Elíseos que sempre correm em direção do continente.
Descia ao Palácio dos Duques, sempre às quatro horas, e sorvia de um só gole o seu Carmenére, técnica que aprendeu com o Coronel Jean Luc Liottard, na batalha da antiga Antuérpia. Por vocação, mais do que por vontade, se tornou jornalista, mas era ali naquela indefectível construção medieval, tornava o insone entardecer o segundo plano de seu canto. Mario observava tarde após tarde o rigoroso passeio de gestos fugazes das mulheres da cidade, que displicentemente proporcionavam um pequeno jogo de panoramas, e sussurros involuntários, onde todo homem se torna nova criatura, e todas as preces são momentaneamente atendidas.
No final da tarde de 5 de Julho, ao sentir um leve incomodo na região acima do estômago, abaixa a cabeça e ao levantá-la encontra Apolônia. Mario julgou que era a filha da irrepreensível Senhora de Coutard pelo simples fato de estar lendo “Vida de Marco Bruto” de Francisco Quevedo. Mario a descrevia no seu livro de notas comprado à rue de Leautreamont, Contava a si mesmo sobre os escorpiões e rosas gris que cercavam sua pele. Ao acabar o texto se sentia a contento. E se voltava para o velho Bornescau
- Não há nada mais que um homem possa desejar...
Bebia o último gole do vinho já quente e descia a rua de paralelepípedos, e voltava para o seu apartamento, a luz já tinha a cor como das recordações perspícuas.

***
Duas ou três vezes pensou em se aproximar, mas julgava que a paixão vinha da palavra. O papel e a caneta tinteiro as tornavam personagens de uma era insuspeita. Onde todos os destinos coexistem e onde o fundo da alma não terá nenhum desespero em seu reflexo. Mario amava as imagens de suas musas, mas amava mais as neblinas que o tempo imprimia aos movimentos. Era na sombra que ele via suas musas, no lugar onde e delírio e insônia são contraparentes.
No mês quarto do segundo ano após a queda do Grão-Duque Jean Pierre Hubaux, Mario errava nas imediações do Palácio quando a hora já fazia com que as árvores falassem aos ventos. Mario se preparava para sorver o primeiro gole do seu vinho de safra questionável, quando vê cruzar a Praça Camile. Cruzava a praça não como uma pequena serva dos deuses do Olimpo, mas como uma deusa da caça. Seu cachecol era vermelho, e insistia em brincar com seu rosto lívido. Mario observava e sem deixar de fitar a galesa caucasiana, tateava sua bolsa à procura da caneta e do livro de notas. O vento sul, prenunciava a hora do demasiado tarde. Antes que pudesse começar a escrever, Camile levanta de sua mesa, e vai até a mesa onde se encontra um casal, encara o rosto do homem, que já ostentava uma pequena entrada na cabeça para a calvície, e enfia-lhe uma faca no lado esquerdo do tronco, um pouco abaixo dos pulmões. Retira a faca e se aproxima de Mario que imóvel assiste Camile jogar em sua mesa a faca e andar como uma transeunte apressada.
E daquele dia em diante nunca mais Mario escreveu. Seu nome inequivocamente vinha acompanhado da palavra exílio. Alguns dos antigos ismaelitas, diziam tê-lo visto no caminho que vai dar em Damasco, porém não estava ao encontro de nenhuma luz, nenhuma cegueira. Sempre está ao lado de uma mulher que nenhuma dos grandes maledicentes da região da Borgonha conhece. Não é nem Camile, nem tão pouco a possível enteada da Madame. Somente Mario sabia que era a própria morte. Andavam num exílio compartilhado. Compartilhada também era o desejo de ambos de olhar a vida.

3 comentários:

Anônimo disse...

"Mario errava nas imediações do Palácio quando a hora já fazia com que as árvores falassem aos ventos"

Me pergunto se as árvores falavam morte com os ventos, os ventos carregavam a morte, camille, mario e tudo-todos? André, estamos neste vento? sinto ele soprar aqui, me lembra uma arvore. http://sp1.fotologs.net/photo/33/39/17/meucinema/1145670770_f.jpg , será a morte-vida no meio? o amor? o que? talvez o pensamento. talvez nós.. nós, acho que é nós, Posso querer, nós... é o cinema, é o amor. é? se é não foi, será que...

Anônimo disse...

http://sp1.fotologs.net/photo/33/39/17/meucinema/1145670770_f.jpg

http://sp1.fotologs.net/photo/33/39/17/meucinema
/1145670770_f.jpg

Anônimo disse...

Quero mais... Quero aquele outro lindissimo que tens... Quero este mais mil vezes, estamos nesta caminhada... e o limite, bom o limite está a alguns metros atras... rs